Arturo Toscanini
Texto sobre Toscanini muito interessante, de Bernardo Mariano, saído hoje no Diário de Notícias:
O maestro que levou o seu século à frente da batuta
Bernardo Mariano
Ele personificou durante décadas, aos olhos do grande público, a profissão de maestro. Foi um dos músicos mais influentes do seu tempo e alguém que marcou um antes e um depois na história da tradição interpretativa. Teve uma exposição mediática até então sem precedentes (foi uma figura de culto, tendo chegado duas vezes à capa da Time) e uma vida pública na qual se reflectiram as convulsões da sua época. Ele era Arturo Toscanini e morreu faz hoje 50 anos, em Nova Iorque.
Para a história ficou, por um lado, um enorme manancial de gravações (a grande maioria reeditada na década de 90 pela RCA, mas também há registos na Naxos e na Testament, por exemplo) e uma vida longa de quase 90 anos, cujas faces pública e privada já deram origem a um sem número de livros e artigos.
Toscanini era um génio, sem dúvida. Um homem que nasceu para ler partituras e dirigir orquestras. A sua carreira gerou imensas histórias/estórias, versando quer as suas capacidades intelectuais-musicais, quer a sua forma de trabalho. Isto para lá das tiradas que ficaram famosas (ver abaixo).
Uma das coisas que contribuiu para a sua aura era o facto de quase sempre dirigir de cor, isto é, sem partitura aberta à frente. Toscanini tinha uma memória musical absolutamente prodigiosa: basta dizer que, quando em 1886, o jovem violoncelista (tinha 19 anos) de uma orquestra italiana em digressão pela América do Sul salta inesperadamente para o estrado da direcção para dirigir a Aïda, de Verdi, o faz de cor!
Uma capacidade formidável que só deu de si em Abril de 1954 (contava ele já 87 anos!): durante um concerto no Carnegie Hall, à frente da Sinfónica da NBC (orquestra especialmente criada para ele em 1937, com a qual chegou a milhões de americanos, primeiro via rádio, depois via televisão), Toscanini "perdeu-se". Não mais dirigiu em público.
Personalidade intratável
Os seus detractores gostam de enfatizar o temperamento colérico, os acessos de fúria, o carácter inflexível, o perfeccionismo fanático, a megalomania com que se via na sua actividade, a insatisfação doentia face ao que alcançava. Numa palavra, chamam-no de ditador. E tirano.
Seria tudo isso, sim. Mas era um artista com um magnetismo e um carisma incomparáveis, através dos quais conseguia instilar nas orquestras que dirigia uma intensidade e comunhão de propósito raras em qualquer campo de actividade.
Reclamando-se qual médium das intenções originais dos compositores que interpretava, pedia "apenas" que os seus músicos as cumprissem. Essa objectividade, opondo-se à tradição romântica da interpretação subjectiva, marcaria o século XX.
Também marcantes foram as posições que assumiu perante o fascismo italiano e, mais tarde, o nazismo. Apesar de primeiramente apoiante de Mussolini, Toscanini cedo se desiludiu e abandonaria a Itália em 1929, ali regressando só em 1946, para a reinauguração do Scala. Face ao nazismo, não transigiu: nunca mais foi à Alemanha a partir de 1933 nem à Áustria a partir de 1938.
Devemos-lhe as estreias de I Pagliacci (Leoncavallo), La Bohème, La fanciulla del West e Turandot (Puccini) e do Adagio para cordas, de Barber. Dirigiu com igual à vontade ópera (desde Gluck às que estreou) e repertório sinfónico (de Mozart até Richard Strauss e Debussy). A sua "trindade" adorada foi sempre a de Beethoven, Wagner e Verdi.
Para além do nível artístico inaudito a que elevou o espectáculo operático na Itália, impôs ainda as luzes apagadas durante a récita, proibiu entradas atrasadas, obrigou as senhoras a tirar o chapéu e proibiu ballets após as récitas. E até encores de árias isoladas - em 1903, deixou um Baile de Máscaras a meio, no Scala, quando o contrariaram...
O maestro que levou o seu século à frente da batuta
Bernardo Mariano
Ele personificou durante décadas, aos olhos do grande público, a profissão de maestro. Foi um dos músicos mais influentes do seu tempo e alguém que marcou um antes e um depois na história da tradição interpretativa. Teve uma exposição mediática até então sem precedentes (foi uma figura de culto, tendo chegado duas vezes à capa da Time) e uma vida pública na qual se reflectiram as convulsões da sua época. Ele era Arturo Toscanini e morreu faz hoje 50 anos, em Nova Iorque.
Para a história ficou, por um lado, um enorme manancial de gravações (a grande maioria reeditada na década de 90 pela RCA, mas também há registos na Naxos e na Testament, por exemplo) e uma vida longa de quase 90 anos, cujas faces pública e privada já deram origem a um sem número de livros e artigos.
Toscanini era um génio, sem dúvida. Um homem que nasceu para ler partituras e dirigir orquestras. A sua carreira gerou imensas histórias/estórias, versando quer as suas capacidades intelectuais-musicais, quer a sua forma de trabalho. Isto para lá das tiradas que ficaram famosas (ver abaixo).
Uma das coisas que contribuiu para a sua aura era o facto de quase sempre dirigir de cor, isto é, sem partitura aberta à frente. Toscanini tinha uma memória musical absolutamente prodigiosa: basta dizer que, quando em 1886, o jovem violoncelista (tinha 19 anos) de uma orquestra italiana em digressão pela América do Sul salta inesperadamente para o estrado da direcção para dirigir a Aïda, de Verdi, o faz de cor!
Uma capacidade formidável que só deu de si em Abril de 1954 (contava ele já 87 anos!): durante um concerto no Carnegie Hall, à frente da Sinfónica da NBC (orquestra especialmente criada para ele em 1937, com a qual chegou a milhões de americanos, primeiro via rádio, depois via televisão), Toscanini "perdeu-se". Não mais dirigiu em público.
Personalidade intratável
Os seus detractores gostam de enfatizar o temperamento colérico, os acessos de fúria, o carácter inflexível, o perfeccionismo fanático, a megalomania com que se via na sua actividade, a insatisfação doentia face ao que alcançava. Numa palavra, chamam-no de ditador. E tirano.
Seria tudo isso, sim. Mas era um artista com um magnetismo e um carisma incomparáveis, através dos quais conseguia instilar nas orquestras que dirigia uma intensidade e comunhão de propósito raras em qualquer campo de actividade.
Reclamando-se qual médium das intenções originais dos compositores que interpretava, pedia "apenas" que os seus músicos as cumprissem. Essa objectividade, opondo-se à tradição romântica da interpretação subjectiva, marcaria o século XX.
Também marcantes foram as posições que assumiu perante o fascismo italiano e, mais tarde, o nazismo. Apesar de primeiramente apoiante de Mussolini, Toscanini cedo se desiludiu e abandonaria a Itália em 1929, ali regressando só em 1946, para a reinauguração do Scala. Face ao nazismo, não transigiu: nunca mais foi à Alemanha a partir de 1933 nem à Áustria a partir de 1938.
Devemos-lhe as estreias de I Pagliacci (Leoncavallo), La Bohème, La fanciulla del West e Turandot (Puccini) e do Adagio para cordas, de Barber. Dirigiu com igual à vontade ópera (desde Gluck às que estreou) e repertório sinfónico (de Mozart até Richard Strauss e Debussy). A sua "trindade" adorada foi sempre a de Beethoven, Wagner e Verdi.
Para além do nível artístico inaudito a que elevou o espectáculo operático na Itália, impôs ainda as luzes apagadas durante a récita, proibiu entradas atrasadas, obrigou as senhoras a tirar o chapéu e proibiu ballets após as récitas. E até encores de árias isoladas - em 1903, deixou um Baile de Máscaras a meio, no Scala, quando o contrariaram...
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