Catarina de Médicis - Leonie Frieda
Bom, havia de chegar a altura de o tema central deste blog (a paixão da leitura) vir ao de cima.
Quero deixar-vos aqui algumas impressões “na perspectiva do utilizador”, para usar o calão informático, querendo com isso significar que não tenho nenhuns dotes especiais de literato, sou pois um simples leitor.
O livro é o “Catarina de Médicis”, de Leonie Frieda.
A autora fez uma investigação histórica cuidada, seriíssima e exaustiva, o que ressalta com exuberância da forma como documenta a obra com notas bibliográficas e históricas.
Catarina era a filha de uma família de comerciantes muito ricos de Florença; ficou órfã quando ainda era bebé e foi educada por familiares, tendo estado em conventos até à sua saída de Itália.
Estamos no séc. 16 europeu, em pleno Renascimento, que marcou indelevelmente o carácter da jovem florentina futura rainha de França.
Catarina é sobrinha de um Papa, Clemente VII, e tem acesso às mais altas instâncias da sua época – conhece mesmo Miguel Ângelo, que é um dos protegidos da corte florentina.
Nesse tempo, como até ao sec. 19, a Itália não estava unificada e era uma manta de retalhos de cidades poderosas, mas divididas, de ducados e principados cujos dirigentes procuram poder nas alianças que fazem, sobretudo com os reis de França, Espanha e Alemanha.
O casamento de Catarina com Henrique de Orleans é assente em virtude de um desses tratados.
O pai de Henrique, Francisco de França, é contemporâneo de Carlos V, de Espanha e de Henrique VIII de Inglaterra, pai de Isabel I, a devassa e futura rainha de Inglaterra.
Catarina casa com Henrique e aprende na prática o “ofício” de rainha; doze anos depois Henrique morre em virtude de um acidente estúpido (apanhou com uma lança que lhe trespassou o olho e parte do cérebro no decurso de um jogo de cavalaria) e Catarina vê-se rainha-viúva de França, com 5 filhos pequenos e um ambiente social perigosíssimo em que avultam os conflitos religiosos entre católicos e protestantes, que darão origem a nada menos que doze guerras até ao fim do século, tornando-se regente.
Acompanha o reinado de seus filhos, mantendo uma posição cimeira na corte e tornando-se a mulher mais poderosa do seu tempo (Isabel de Inglaterra seria a segunda mulher mais poderosa).
Catarina joga com todos os seus trunfos, divide, une, conflitua, faz as pazes, promove e despromove os poderosos de França.
Durante muitos anos prossegue uma política de não-agressão e apaziguamento com os protestantes franceses, calvinistas, provocando neles o falso sentimento de que são protegidos da rainha e causando a cólera de Filipe II de Espanha, seu genro, e do Papado, que via as suas complacências para com os protestantes como uma autêntica traição à sua herança católica apostólica romana.
Até que um dia...
Tinha que ser, a Lei de Murphy já existia nessa época, mas não estava ainda formulada.
Tudo correu mal na altura mais crítica e com os protagonistas mais inconvenientes.
Catarina tinha tentado, sem sucesso, casar a sua filha Margot com D. Sebastião de Portugal (Margot era na época considerada uma beldade); as negociações com os portugueses falharam e Catarina decide casar Margot com Henrique de Navarra, nobre francófono que havia abraçado a fé protestante.
O casamento decorre em Paris, em grandes festividades, em Agosto de 1572.
Inúmeros populares protestantes deslocam-se a Paris para ver o seu líder casar com a princesa católica de França, em ambiente de boa vizinhança.
Num dos últimos dias de Agosto, o rei Carlos e sua mãe Catarina mandam assassinar Gaspar de Coligny, Marechal de França, protestante, e um dos homens mais poderosos de França, por lhes ter chegado aos ouvidos que este pretendia dar um golpe de estado.
Foi o rastilho.
A populaça parisiense, enraivecida com os protestantes, aproveita o momento para começar a ajustar as suas próprias contas particulares com os protestantes que estavam em peso na cidade; só em Paris são mortos entre 2.000 a 3.000 pessoas; o violento conflito religioso alastra a toda a França, provocando entre 20.000 a 30.000 mortos – homens, mulheres, crianças, vai tudo a eito.
Essa tragédia ficou conhecida historicamente pela Matança de S. Bartolomeu e tornar-se-á a sombra negra da memória de Catarina.
O livro descreve com minúcia a política europeia de então, em que Catarina tem uma palavra decisiva quase até à sua morte.
Maquiavel é seu contemporâneo – dizem alguns, sem confirmação histórica cabal, que Catarina bebeu alguns ensinamentos na maquiavélica personagem florentina.
Talvez, mas a prova não está feita.
Para quem gosta de romance histórico, como eu, este livro é um regalo.
Sugiro vivamente a sua leitura a quem tenha interesse nestas matérias.
5 comentários:
Esqueci-me de dizer que as guerras religiosas francesas, como todas as guerras civis, foram especialmente sangrentas e especialmente pejadas de ódio.
A matança de S. Bartolomeu é conhecida por ser a maior matança ocorrida em França até à revolução, em 1789.
História!!!
Um dos meus temas preferidos.
Dê-me tempo para ler com atenção, ou seja, voltar a ler.
Bom post!!!!
Catarina tinha tentado, sem sucesso, casar a sua filha Margot com D. Sebastião de Portugal ..
Por isso , foi por isso!....
Dizem as más línguas que o bom do D. Sebastião tinha tendência para jogar na "equipa adversária".
Desconfio que não tinha pedalada para a Margot, que era um pedaço de mulher e que, mesmo casada com Navarra, continuou sempre a ter amantes (alguns, coitadas, que perderam a cabeça com ela e depois perderam a cabeça por ela, literalmente falando).
Está provado que o duque de Anjou, segundo filho de Catarina e mais tarde rei de França (depois da morte do irmão, Carlos), esse parece que era mesmo gay: usava brincos, disfarçava-se de mulher nas festas de máscaras, e tinha 2 ou 3 amiguinhos na corte para os quais era muito terno...
Vá lá ao Cleopatramoon que tem lá um post mesmo ao seu gosto.
O D. Sebastião?
E o Camões caiu nessa?
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