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sábado, março 03, 2007

Contos Estelares - VI

Cleópatra sentou-se no sarcófago criogénico, que estava de tampa aberta, e o seu olhar dirigiu-se logo para o calendário, apercebendo-se de que tinha estado em hibernação muito pouco tempo.
A seu lado João, Marta e Augusta dormiam o sono dos justos.

Sabia que nas respectivas naves Funes e Cem dormiam também.
Sabia também que provavelmente teria sido Neves a acordá-la, a não ser que algum acidente tivesse accionado o despertar automático.
Pouco depois Neves juntou-se-lhe em videoconferência, ambas já nas respectivas salas de comando das suas naves.

Neves explicou a Cleópatra o que tinha acontecido e a razão porque a tinha acordado.

Explicou que tinha configurado várias hipóteses para a solução do problema que enfrentavam:

1. Usar a nave em que estavam, Poseidon, que tinha propulsão Erkhart e que podia em poucos anos fazer a viagem a Andrómeda e voltar (a propulsão Erkhart permitia viagens a 20 vezes a velocidade da luz; em cerca de 10 anos-padrão a Poseidon conseguiria deslocar-se 200 anos-luz, ou seja, podia fazer uma viagem de ida e volta a Andrómeda).

2. Deixar a expedição prosseguir apenas à velocidade da luz, tentando descobrir um sistema habitável antes de Andrómeda.

3. Obrigar os computadores a fazerem um “brainstorming” por forma a apurar quais os sistemas estelares próximos mais prometedores em termos de habitabilidade (opção perigosa pois era frequente nestas tentativas um ou dois computadores não aguentarem a carga de terabytes envolvida e rebentarem os discos e as memórias centrais.

4. Combinar as partes compatíveis das hipóteses 1, 2 e 3.

Neves deixou bem claro que a sua preferência tendia para a hipótese 3 – computer brainstorming.

Cleópatra disse-lhe que precisaria de pelo menos 24 horas de estudo e reflexão para se sentir com o à vontade de formular uma opinião.

Meteu-se na sua cabine manejando o computador portátil, fazendo cálculos e mais cálculos, tudo a funcionar sobre o sistema operativo Windows.

Passado umas horas voltou à sala de comando e requisitou um novo portátil equipado com outro sistema operativo, o Linux; depois de o receber, trabalhou mais umas horas, dizendo volta e meia uma imprecação em surdina.

Finalmente, cansadíssima e insone, voltou a ligar a videoconferência, contactando Neves.

“Minha amiga, estamos com um problema”, disse, “creio que a tua proposta é inadequada, segundo os meus cálculos a hipótese 1 é a mais prometedora, oferecendo 80% de margem de sucesso, enquanto nenhuma das outras ultrapassa os 60% de probabilidades”.

“Temos de acordar o terceiro elemento”, constatou Neves, “mas quem ?”

“Simples”, respondeu Cleópatra, “isto é um problema sério, tem que ser resolvido pelos mais capazes e os mais capazes somos nós, as mulheres, como concordarás – a nossa melhor mulher adormecida, pela sua sagacidade e pela sua experiência é Augusta Nina”.

“Seja”, anuiu Neves, “mas por favor, depressa, porque estamos a chegar a um eixo axial importante da viagem e a eventual mudança de eixo tem que ser decidida a curto prazo”.

Accionaram o despertar de Augusta.

Passado uma hora já Augusta estava desperta e inteirada do problema que enfrentavam.

“Cabe-me então a mim desempatar”, constatou Nina, olhando preocupada para o visor de videoconferência – “oiçam lá, e se eu tiver uma quinta opinião não coincidente com nenhuma das vossas ?”.

“É que tenho mesmo, caras amigas, a minha opinião é a de que perante todo este imbróglio a nossa melhor hipótese de sucesso é a ligação física das quatro naves e a construção de uma estação espacial que apontaremos ao sistema solar mais próximo, mas qual ?”

“Bom, como sabemos da mitologia, a figura formada pelas estrelas próximas à constelação de Cepheus lembra a duma figura humana sentada num trono – só que de cabeça para baixo. Para os gregos, isso representava a punição por um crime severo e logo associaram essa constelação ao mito de Cassiopéia: a vaidosa rainha da Æthiopia que comparou sua beleza à das Nereidas, filhas de Poseidon. Como punição, os deuses exigiram que sua filha, Andrômeda, fosse sacrificada ao monstro Cetus (uma besta similar a uma baleia) para que seu país não fosse inundado pelas ondas de Poseidon”.

“De cabeça para baixo estou eu a ficar, Nina”, disse Neves, “não estou a compreender onde queres chegar”.

“Bom, eu cá já nem sei se tenho cabeça”, suspirou Cleópatra, “que havemos de fazer ?”

Concordaram em consultar o Manual de Bordo, indagando qual o procedimento no caso de as três terem opiniões divergentes, introduziram os dados no computador central da nave de Nina (o mais poderoso de todos), o qual pouco depois despejou a resposta: "o sistema determina que três mulheres discordantes são demasiado teimosas nas suas opiniões, levando a um perigoso desequilíbrio de segurança, a solução indicada é elegerem um homem dos adormecidos qualificados e nomearem-no vosso chefe máximo - só um homem poderá lidar com 3 mulheres ao mesmo tempo sem se envolver em discussões inultrapassáveis".

"A máquina enlouqueceu", exclamaram as três, incrédulas.
(continua)

4 comentários:

Ni disse...

"o sistema determina que três mulheres discordantes são demasiado teimosas nas suas opiniões, levando a um perigoso desequilíbrio de segurança, a solução indicada é elegerem um homem dos adormecidos qualificados e nomearem-no vosso chefe máximo - só um homem poderá lidar com 3 mulheres ao mesmo tempo sem se envolver em discussões inultrapassáveis".

...
AHN?

A máquina enlouqueceu!!!!


:)

Ni* ( na expectativa, para saber como continuas o texto... está numa fase 'delicada'...)

;)

Anónimo disse...

Concordo com Nina. Isto pode ser o começo duma rebelião feminina contra esse belo adormecido quando despertar.

100anos disse...

Queridas amigas, não se precipitem.
Não há hipótese de haver uma rebelião feminina, pois na minha estória as Mulheres estão no poder, são elas que mandam.
A classe dominante não se vai rebelar contra si própria.
O que aconteceu com o computador foi que a máquina procurou em todas as variáveis possíveis e elas levaram-na a uma conclusão que por ora parece irrefutável: só um homem pode moderar uma debate entre três mulheres super-qualificadas e super-seguras das suas opções, pois elas quanto mais qualificadas são, mais teimosas e inflexíveis se tornam...
Já tenho engendrada a continuação, mas hoje possivelmente não terei tempo para a escrever (dou um jantar cá em casa, feito por mim – uma ementa super-qualificada ! – e vou ter pouco tempo para escrevinhar).
Estou a gostar desta estória, nunca tinha escrito assim, é giríssimo ir escrevendo e ao mesmo tempo ir dialogando com as vossas críticas bondosas e amigas, adaptando o texto tanto quanto possível às críticas.

Ni disse...

«Já tenho engendrada a continuação, mas hoje possivelmente não terei tempo para a escrever (dou um jantar cá em casa, feito por mim – uma ementa super-qualificada ! – e vou ter pouco tempo para escrevinhar).»

...

Podias colocar a descrição da ementa na história!!! Como memória ao acordar, por exemplo... (é que além de ter a paixão pela 'cozinha'... sou muitoooo curiosa!)

:)

Ni*

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