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quinta-feira, abril 09, 2009

Enriquecimento ilícito e ónus da prova

A dicotomia entre enriquecimento ilícito e ónus da prova está mal compreendida pela rapaziada do PS.
Com cursos tirados ao Domingo e aprovações por “fax”, pois naturalmente que os juristas do PS têm alguma dificuldade em compreender estas miudezas da ciência jurídica.
Vou tentar explicar, como se os meninos fossem muito burros (que não são, são é ignorantes, embora espertalhões).
Ónus da prova é o encargo que incumbe à pessoa que alega um facto que consiste em ter de o provar.
Quem alega um facto tem o ónus de o provar.
Certo ? Nenhuma confusão nessas cabecinhas até agora ? Então vamos adiante.
O que é o enriquecimento ilícito ? É o enriquecimento de alguém através de trapalhices, corrupções, desonestidades, fugas ao fisco, branqueamento de dinheiro, etc..
Um sujeito que ganha 2.000 €/mês e tem uma vivenda que custou 1.000.000 € com toda a certeza que não custeou a vivenda com o produto do seu trabalho, mas pode tê-la adquirido legitimamente: ganhou a lotaria, uma tia velhota e rica deixou-lhe uma choruda herança, a mulher meteu-se num negócio que foi altamente rentável, etc., há mil e uma possibilidades de uma pessoa enriquecer por forma honesta.
Mas se a pessoa em causa não puder provar de onde lhe veio o dinheiro para a compra da vivenda, então há que concluir que o seu enriquecimento foi ilícito (acontece muito nas repúblicas das bananas, em algumas repúblicas altamente subsidiadas e/ou em países onde o dinheiro a entrar “por fora” se tornou um hábito designadamente ao nível do financiamento partidário).
O Ministério Público tem que provar que aquele sujeito, com aquele rendimento conhecido e com todas as outras fontes de rendimento lícito que apresenta, não podia de forma nenhuma comprar a vivenda de 1 milhão.
O sujeito tem o ónus de provar que, pelo contrário, foi com rendimentos lícitos que comprou a vivenda: pode, por exemplo, tentar isaltinar, ou seja, alegar que aquela catrefada de massa que tem são “sobras” de campanhas em que beneficiou de donativos.
Não há aqui qualquer inversão do ónus da prova.
É claro que isto só funciona quando a discrepância entre o rendimento lícito e a fortuna apurada é substancial e muito relevante; casos de pequena corrupção jamais serão detectados através deste mecanismo, dirigido às fortunas substanciais.
É assim tão difícil de compreender ?
Mesmo para juristas formados ao Domingo ?

4 comentários:

Edgar V. Novo disse...

Independentemente da discussão teórica sobre estas duas questões - tipificação do enriquecimento ilícito e ónus da prova - que deixo aos entendidos, apesar de eu mesmo não ter tirado o curso a um Domingo, o que desde já me apoquenta, conhecendo como conheço o português médio, será a quantidade de denúncias que se farão sentir. Ou não é o português médio aquele que se rói de inveja quando o vizinho, com a casa por pintar e o telhado por concertar, aparece por lá com um Audi A6 novinho em folha (para o qual teve de se esfolar a trabalhar e deixar de passar férias ao Algarve).

Virá novamente reinar sobre os portugueses o espírito da delação que existia no tempo da outra senhora?

100anos disse...

Meu caro,
Se eu estou a compreender os contornos do problema, não é um nem dois Audis que poderão determinar suspeitas de enriquecimento ilícito.
Mas um património com valor equivalente a 40 ou 50 Audis, sim, esse já será passível de investigação.
Não estou a ver ligação directa entre esse crime e a delação; a mim também me impressiona o acolhimento que a lei dá à denúncia anónima, mas isso tem a ver com a alma de um povo e não com este ou aquele crime em particular.
O índice de corrupção entre nós chegou a níveis incomportáveis, há que tomar medidas e a tipificação do enriquecimento ilícito a par de um regime mais simplificado do levantamento do sigilo bancário parece ser o único caminho alternativo justamente à delação e à suspeição generalizada.

Edgar V. Novo disse...

O problema está em que para o português médio toda e qualquer actividade do vizinho é suspeita.

E se o vizinho comprou um carro melhor do que o meu e tem uma piscina e eu não, então é porque andou a "roubar" (acepção lata e não jurídica que inclui corrupção, peculato, fraude fiscal, burla, branqueamento de capitais e afins)ou anda metido na droga.

Claro que, atento o actual estado de coisas, há que fazer alguma coisa.

E se calhar, na minha opinião, e antes de partimos para medidas como esta, começava-se por aumentar o salário dos titulares dos cargos públicos e apertando o regime de incompatibilidades e impedimentos.

Cumprimentos

100anos disse...

Caro Ega,
Veja mais este post, pot favor.
Aqui

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