Contos Estelares - III
Os heróis espaciais continuaram a dialogar durante longo tempo.
Cleópatra aceitou deixar de enviar remoques a 100anos. Marta resignou-se a que alguma das outras mulheres enviasse volta e meia um sarcasmo a João: afinal de contas, como Marta sabia muito bem, João pertencia ao sexo inferior, ainda mais inferior que Funes ou 100anos, pois não comandava uma nave e era um subalterno naquela em que estava.
Aliás, todas as mulheres encaravam Funes e 100anos como uma espécie de “quase-pares”, pois eram comandantes de naves, por isso gente poderosa, mas eram homens, por isso gente algo inferior.
As coisas no espaço estavam a acontecer – exactamente – à velocidade da luz.
Concordaram em colocar todas as naves numa órbita hiperbólica tendo por eixo uma linha recta imaginária entre o desaparecido sol e a Alfa de Centauro, sendo que a ideia era que cada nave varresse com scanners a sua área no sentido de os computadores detectarem planetas habitáveis para o ser humano.
Funes, que estava quase a mudar o seu nome de El Memorioso para El Misericordioso, concordou em facultar a todos os outros os arquivos do Matriarcado Terrestre da Sempiterna Superioridade Feminina, incluindo os próprios registos que ele, Funes, já havia feito nesses arquivos desde a partida da Terra.
Neves de Ontem foi encarregada de todos os sistemas da nave de 100anos, à excepção do sistema de navegação, o que deixou as mulheres algo perplexas – na verdade, se 100anos pensara acordar Neves do seu sono criogénico, seria a coisa mais natural tirar partido da sua superioridade natural feminina colocando-a à testa de todos os sistemas significativos da nave.
“Não quero, desculpem lá mas o sistema de navegação controlo eu”, insistia Cem, renitente, “sempre fui eu a guiar os meus caminhos e não é agora que vou mudar”.
“Compreendo-o” declarou Funes, “e tiro o meu chapéu à sua coragem em afrontar o matriarcado nesta situação – é de homem, caray !”
“Senhor Funes, tenha dó”, adiantou Cleópatra, “contemporizar com um disparate é uma coisa, manifestar concordância activa com ele, é demasiado descarado”.
As outras mulheres (Augusta, Marta, Neves) emitiram murmúrios de acordo.
“Bom”, obtemperou Augusta, conciliadora, “agora o que interessa é mantermos a nossa pequena comunidade activa e eficiente – não haveria nada mais lamentável do que deixarmos escapar algum planeta habitável enquanto estamos para aqui a discutir o sexo das anjas”.
Apesar do tom conciliador, ficou no ar a ideia de que o pobre Cem era helpless.
(continua)
Cleópatra aceitou deixar de enviar remoques a 100anos. Marta resignou-se a que alguma das outras mulheres enviasse volta e meia um sarcasmo a João: afinal de contas, como Marta sabia muito bem, João pertencia ao sexo inferior, ainda mais inferior que Funes ou 100anos, pois não comandava uma nave e era um subalterno naquela em que estava.
Aliás, todas as mulheres encaravam Funes e 100anos como uma espécie de “quase-pares”, pois eram comandantes de naves, por isso gente poderosa, mas eram homens, por isso gente algo inferior.
As coisas no espaço estavam a acontecer – exactamente – à velocidade da luz.
Concordaram em colocar todas as naves numa órbita hiperbólica tendo por eixo uma linha recta imaginária entre o desaparecido sol e a Alfa de Centauro, sendo que a ideia era que cada nave varresse com scanners a sua área no sentido de os computadores detectarem planetas habitáveis para o ser humano.
Funes, que estava quase a mudar o seu nome de El Memorioso para El Misericordioso, concordou em facultar a todos os outros os arquivos do Matriarcado Terrestre da Sempiterna Superioridade Feminina, incluindo os próprios registos que ele, Funes, já havia feito nesses arquivos desde a partida da Terra.
Neves de Ontem foi encarregada de todos os sistemas da nave de 100anos, à excepção do sistema de navegação, o que deixou as mulheres algo perplexas – na verdade, se 100anos pensara acordar Neves do seu sono criogénico, seria a coisa mais natural tirar partido da sua superioridade natural feminina colocando-a à testa de todos os sistemas significativos da nave.
“Não quero, desculpem lá mas o sistema de navegação controlo eu”, insistia Cem, renitente, “sempre fui eu a guiar os meus caminhos e não é agora que vou mudar”.
“Compreendo-o” declarou Funes, “e tiro o meu chapéu à sua coragem em afrontar o matriarcado nesta situação – é de homem, caray !”
“Senhor Funes, tenha dó”, adiantou Cleópatra, “contemporizar com um disparate é uma coisa, manifestar concordância activa com ele, é demasiado descarado”.
As outras mulheres (Augusta, Marta, Neves) emitiram murmúrios de acordo.
“Bom”, obtemperou Augusta, conciliadora, “agora o que interessa é mantermos a nossa pequena comunidade activa e eficiente – não haveria nada mais lamentável do que deixarmos escapar algum planeta habitável enquanto estamos para aqui a discutir o sexo das anjas”.
Apesar do tom conciliador, ficou no ar a ideia de que o pobre Cem era helpless.
(continua)
3 comentários:
Vamos com calma, senão esta nave correr o risco de se descontrolar completamente.
Conheço bem Funes e posso garantir que ele está plenamente consciente da sua inferioridade de macho e reconhece sem reservas o princípio da superioridade FEMININA. Não o estou a ver tirar o chapéu a nenhuma atitude de afrontamento do matriarcado.
Quer-me parecer que este relato é pura ficção.
Mas fiquei curioso, para descobrir os novos desenvolvimentos.
Que novos horizontes irá rasgar a nave de cem anos?
Meu caro Funes, o seu comentário desilude-me bastante.
O meu querido amigo alinha com o patronato feminino e des-solidariza-se das amplas camadas do proletariado masculino, dando de mão beijada todos os trunfos à classe dominante.
Longe vai o tempo em que o meu amigo se propunha fugir com a criada e hospedar-se em Badajoz no hostal "Los Reyes Católicos"...
Vejo que não foi por acaso que o Matriarcado o bafejou com um lugar de confiança.
Um abraço.
Continuo a gostar da minha personagem....
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